Clarice Lispector tinha o hábito de dormir cedo, acordar de madrugada e ficar sentada na sua sala pensando, fumando e ouvindo a Radio Relógio, acompanhada apenas de seu cachorro, Ulisses. Nesses momentos de solidão, nasceram muitas de suas obras, que, depois, ela escreveria com a maquina de escrever apoiada sobre as pernas. Escrevo-te sentada junto de uma janela aberta no alto do meu ateliê , diz ela em determinado trecho do romance Agua viva, em que a autora se confunde com a personagem, uma solitária pintora que se lança em infinitas reflexões sobre o tempo, a vida e a morte, os sonhos e visões, as flores, os estados da alma, a coragem e o medo e, principalmente, a arte da criação, do saber usar as palavras num jogo de sons e silêncios que se combinam, a especialidade da própria Clarice. Agua viva, longo texto ficcional em forma de monologo, foi lançado pela primeira vez em 1973, poucos anos antes da morte de Clarice que, nessa época, já se consagrara como um dos valores mais sólidos da nossa literatura, por seu estilo único, em que a grande preocupação era a busca permanente pela linguagem. Agua viva e um desafio emocionante para quem lê ou rele Clarice Lispector. Traz uma linguagem que não se perde no tempo; ao contrario, e ricamente metafórica, em que coisas, ações e emoções do dia-a-dia se transformam em grandiosas digressões indagadoras sobre o sentido da existência e da vida. Seguindo a linha de características introspectivas de seus livros, Clarice cria uma obra singular, verdadeiro relato intimo que projeta em flashes, como num caleidoscópio, verdadeiros resumos de estados de espirito em tom de confidencia, onde a subjetividade sobrepuja o factual e a narradora e responsável pela cadencia do texto.(Rocco)