Uma jornalista pensa que ganhou a oportunidade de sua carreira ao substituir uma colega na cobertura de um cruzeiro de luxo por fiordes noruegueses. Ao lado de fotógrafos, repórteres e empresários, ela precisa fazer contato com possíveis patrocinadores de sua revista, porém deixa de lado a tarefa, intrigada com o desaparecimento de uma passageira – cuja presença a bordo não foi percebida pela tripulação nem pelos companheiros de viagem. Juntando personagens de diferentes extratos sociais e seguindo pistas que desmontam, a cada capítulo, as certezas da repórter Lo Blacklock, a inglesa Ruth Ware cria uma trama de suspense hipnotizante em A mulher na cabine 10, seu segundo romance de suspense, que já teve os direitos comprados pelo cinema.
A trama bem estruturada se fortalece em personagens contemporâneos, com quem se convive em diferentes esferas da sociedade. Estão lá o empresário dedicado às causas ambientais, cuja fortuna pertence à mulher, uma herdeira milionária que sofre de uma doença terminal, o fotógrafo com diversos prêmios por trabalhos humanitários, mas que precisa cobrir eventos comerciais para se sustentar, a editora que se aproxima dos poderosos e derruba todos os concorrentes, sem respeitar laços afetivos ou a ética profissional. Circular entre tantas celebridades é incômodo para a insegura Lo, que tenta superar seus próprios fantasmas mantendo-se concentrada em provar que ouviu ou viu um corpo ser jogado no mar, na primeira noite no navio. O problema é que ela acumula características pessoais que prejudicam a credibilidade de seu testemunho. Ao embarcar para a excursão, ela tenta lidar com o estresse pós-traumático de uma invasão a seu apartamento – o que a levou a dispensar o namorado depois de mais um pedido para morarem juntos. Mesmo sem se considerar alcoólatra, ela tenta evitar beber, pois dificilmente consegue distinguir em suas lembranças alucinações e acontecimentos reais. Além disso, já teve episódios graves de ansiedade e costuma combinar os remédios antidepressivos com álcool.
Ao isolar um grupo de personagens no iate luxuoso, Ruth Ware cria um ambiente que não apenas evoca os cenários habituais das novelas de Agatha Christie, como também torna a protagonista refém de um confinamento forçado, sem qualquer possibilidade de ajuda externa. Sem sinal de internet ou qualquer tipo de contato com o restante do planeta, não existe forma de buscar ajuda para as investigações e denúncias de Lo. O único que demonstra acreditar nela é o também jornalista Ben, seu ex-namorado, que tenta aproveitar o cruzeiro para forçar um reatamento, embora Lo mal consiga suportar sua presença, já que o rompimento, anos antes, lhe provocou uma severa crise depressiva.
A angústia da protagonista passa facilmente ao leitor, principalmente depois que Lo recebe um aviso – escrito num espelho coberto por vapor dentro de um banheiro – para deixar de lado suas buscas pela passageira que ninguém conheceu ou viu. A sensação de solidão da protagonista, inserida num meio onde não pode contar com a lealdade de ninguém, está presente em quase a totalidade da narrativa, numa leitura hipnotizante desta trama extremamente semelhante aos desdobramentos do dia a dia, mostrados com firmeza e argúcia por Ruth Ware.