A bela e a fera é uma das obras de Clarice Lispector que exalam a capacidade criadora e o poder de imaginação da estrela maior da literatura de autoria feminina no Brasil. As ideias que nutrem estes oito contos, escritos em 1940 e 1941 (parte I) e 1977 (parte II), recriam uma atmosfera a partir de situações cotidianas corriqueiras que termina por despertar no leitor a sensação do insólito que ha em nossas vidas. Ninguém consegue ficar indiferente a essas ideias. Elas estimulam o lado mais criativo e belo que ha em cada um de nos, talvez porque o nascimento de uma ideia e precedido por uma longa gestação como nos diz a narradora de Historia interrompida . Leitora de Heidegger, Clarice nos transmite a visão de que a tranquilidade e a normalidade do cotidiano são aparentes, e o que importa e uma compreensão mais profunda do ser humano. Capaz de construir enredos e personagens inusitados a partir das situações mais banais que cada um de nos vivencia, ela nos da a chave para romper com uma realidade que em geral e vista como imóvel ou imutável. Por isso, esta obra, como todas as suas outras, e uma lição de vida. O tom confessional de diário, de conversa ao pé do ouvido, que e a tônica de seu estilo, registra, nestes contos, a enigmática reação das personagens femininas contra a repressão patriarcal, e mostra que a conquista da independência da mulher passa pela busca do próprio eu: Senti que podia. Fora feita para libertar. Libertar era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores já descobrira Toda, a protagonista adolescente de Gertrudes pede um conselho . Luiza Lobo, Professora da Faculdade de Letras da UFRJ, escritora e tradutora. (Rocco)